Publicado em 16/10/2020 14:55 Última edição 16/10/2020 14:55

Fome deve ser combatida com renda básica e imposto sobre riqueza

Fonte: IG Economia

Fome deve ser combatida com renda básica e imposto sobre riqueza

“O presidente declarou que quem falava que havia fome no Brasil estava mentindo. Hoje se comprova o quanto eles estão distantes da realidade do país”, diz o economista Francisco Menezes, com a menção de uma declaração de Jair Bolsonaro feita em julho do ano passado. Menezes lembra do episódio ao analisar os dados preliminares da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ) nesta quinta-feira (17). Segundo o levantamento, a insegurança alimentar grave atingiu 10,3 milhões de brasileiros em 2018.

O economista, que é pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e da ActionAid Brasil, já fazia advertências sobre o avanço da fome no país há dois anos. Em 2018, em uma primeira entrevista à Agência Pública, ele alertou que a correlação entre pobreza e fome sugeria que “uma situação ruim” se desenhava para os resultados da POF, pesquisa que ainda estava sendo processada naquele momento.

Com atraso de dois anos na divulgação, os dados divulgados nesta semana comprovam o alerta feito: em cinco anos, o Brasil retrocedeu a patamares de uma década atrás e apresentou o pior nível de segurança alimentar desde 2004. Naquele ano, o índice era de 65,1%. Agora, está em 63,3%. Em 2013, melhor ano da série histórica — resultado que cravou a saída do país do Mapa da Fome da ONU em 2014 — o índice de segurança alimentar era observado em 77,4% dos domicílios do país.

O economista diz que os dados divulgados pelo IBGE revelam um cenário de profundas desigualdades sociais no país — econômica, regional, no campo, de gênero e de raça.  A pesquisa apontou, por exemplo, que mais da metade dos domicílios com insegurança alimentar grave são chefiados por mulheres . O homem é a pessoa de referência em 61,4% dos domicílios em situação de segurança alimentar. Mas este índice se inverte quando são analisados os domicílios em condição de insegurança alimentar grave: 51,9% são chefiados por mulheres. 

A relação racial também é observada nos domicílios com piores resultados. Os pardos representam 36,9% das pessoas à frente de domicílios em situação de segurança alimentar, mas ficaram acima de 50% para todos os níveis de insegurança alimentar (50,7% para leve, 56,6% para moderada e 58,1% para grave). Já os autodeclarados pretos são 15,8% do total de domicílios com insegurança alimentar grave. Em domicílios com segurança alimentar, esse percentual é de 10%.

Com relação às disparidades regionais, os resultados mostraram que menos da metade dos domicílios do Norte e Nordeste tinham acesso pleno e regular aos alimentos no período da pesquisa. E, dos 3,1 milhões de domicílios com insegurança alimentar grave no Brasil, 1,3 milhão estava no Nordeste. O nível de maior restrição no acesso a esses alimentos também aparece com mais frequência nos domicílios localizados na área rural do Brasil. A proporção de insegurança alimentar grave foi de 7,1% nessas localidades, três pontos percentuais acima do observado na área urbana, que ficou em 4,1%.

Dois anos após sua primeira conversa com a Pública, Francisco Menezes concedeu uma nova entrevista e fez mais uma advertência: a prorrogação do auxílio emergencial é indispensável para conter o crescimento da fome no país durante a pandemia. “A desestruturação da economia é muito ampla. O setor de serviços, por exemplo, teve perdas muito significativas. A economia já vinha em um processo de desindustrialização, então ficou muito acentuado este tipo de perda. Então, tudo leva a crer que nós vamos entrar no mês de janeiro e fevereiro, se não vier uma nova prorrogação do auxílio emergencial, em uma situação de bastante penúria”, analisa.

Mas, na opinião do economista, sem a constituição de um projeto de renda básica universal, apenas a nova renovação do benefício não será suficiente. “Eu não diria que eu sou otimista da correlação de forças que existe atualmente, mas o não enfrentamento significa um crescimento de nossas dificuldades, inclusive resultados muito piores nas próximas pesquisas”, declarou o economista. 

E, para compor o cenário de preocupação que delineia o economista, a alta de preço dos alimentos como arroz impacta diretamente as famílias que estão em situação de vulnerabilidade. Segundo a pesquisa do IBGE, as despesas em produtos básicos como arroz e feijão são maiores, proporcionalmente, nos domicílios em situação de insegurança alimentar grave . “Com essa ideologia neoliberal que se colocou em prática, passou-se a desprezar a ideia que há anos se levava de formação de estoques estratégicos — para prevenir fosse um status ligado a mudanças climáticas ou outras questões, como foi inclusive a própria pandemia. Não se formou estoques. Em março, nós já advertíamos que os estoques de arroz e feijão estavam em níveis muito baixos”, destacou.

Confira a íntegra da entrevista.