Publicado em 19/11/2019 17:14 Última edição 19/11/2019 17:14

Propostas de reforma tributária ignoram economia digital

Fonte: O Globo

Propostas de reforma tributária ignoram economia digital

SÃO PAULO - Embora simplifiquem o sistema de cobrança de impostos, as propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso estão longe do principal desafio mundial nessa área: taxar as atividades da economia digital.

Especialistas alertam que renda, trabalho e consumo foram afetados pelas mudanças trazidas por aplicativos de transporte e aluguel de casas, moedas virtuais, robôs, impressoras 3D e outros produtos e serviços viabilizados pela tecnologia , mas o sistema tributário não acompanhou essa transformação.

— Como cobrar um imposto de uma empresa que está nos EUA, vende seu software no Brasil e mantém seu estoque na China? Ainda não existe fórmula para isso, mas há tentativas de se estabelecer um padrão para as companhias da economia digital — diz o advogado Celso Correia Neto, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IBDP).

A iniciativa mais recente vem da França. O país criou um imposto único para gigantes da tecnologia. A ideia do governo francês é que essa taxa fosse replicada em outros países, evitando ações de empresas como a Apple que, para atuar na União Europeia, recolhia impostos na Irlanda, que conta com carga tributária menor. O Senado francês aprovou, em julho deste ano, imposto único de 3% sobre a receita de empresas de tecnologia com faturamento acima de € 25 milhões na França e € 750 milhões no mundo.

Como o imposto é único, incide nas mercadorias vendidas pela Amazon no país ou na publicidade feita pelo Google e pelo Facebook. A taxa é chamada de Gafa, acrônimo de Google, Apple, Facebook e Amazon, principais alvos da tributação. As empresas não comentaram a mudança.
O novo imposto provocou uma chiadeira do governo americano, mas a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne economias desenvolvidas do Ocidente, abriu consulta pública para que outros países façam o mesmo. Espanha, Áustria e Itália já consideram criar um imposto único nos moldes do francês.

No Brasil, um imposto sobre transações financeiras nos moldes da antiga CPMF foi defendido pelo ex-secretário da Receita Marcos Cintra, também como forma de tributar a economia digital. Mas ele foi demitido e a ideia, sepultada.

Um estudo recente de Celso Correia Neto com o economista José Roberto Afonso e o advogado Luciano Felício mostra que que a economia digital está aposentando conceitos como “valor agregado” e “circulação de mercadorias”. É cada vez mais difícil enquadrar essas novidades como serviço ou produto e definir que impostos incidem sobre elas.

No varejo: Marcas fazem caminho do on-line para o mundo real

O federal IPI incide sobre produtos industriais. O estadual ICMS taxa a circulação de mercadorias. Já o municipal ISS serve para tributar serviços. Uma impressora 3D é uma mercadoria, mas e o item que ela vai imprimir? Hoje não é possível enquadrá-lo nos tributos existentes.

O novo imposto provocou uma chiadeira do governo americano, mas a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne economias desenvolvidas do Ocidente, abriu consulta pública para que outros países façam o mesmo. Espanha, Áustria e Itália já consideram criar um imposto único nos moldes do francês.

No Brasil, um imposto sobre transações financeiras nos moldes da antiga CPMF foi defendido pelo ex-secretário da Receita Marcos Cintra, também como forma de tributar a economia digital. Mas ele foi demitido e a ideia, sepultada.

Um estudo recente de Celso Correia Neto com o economista José Roberto Afonso e o advogado Luciano Felício mostra que que a economia digital está aposentando conceitos como “valor agregado” e “circulação de mercadorias”. É cada vez mais difícil enquadrar essas novidades como serviço ou produto e definir que impostos incidem sobre elas.

O federal IPI incide sobre produtos industriais. O estadual ICMS taxa a circulação de mercadorias. Já o municipal ISS serve para tributar serviços. Uma impressora 3D é uma mercadoria, mas e o item que ela vai imprimir? Hoje não é possível enquadrá-lo nos tributos existentes.

— Não é preciso mudar apenas um imposto, é necessário mudar todo o sistema tributário dos países. No Brasil, estamos focados em mercadorias e produtos industriais. Mas a economia cada vez mais é de serviços — disse José Roberto Afonso, em seminário sobre tributação da economia digital no Insper, em São Paulo.

Essa indefinição acabou gerando uma guerra fiscal entre os estados e seus próprios municípios. Há dois anos, o estado de São Paulo chegou a cobrar 25% de ICMS em serviços de publicidade on-line, mas a Justiça entendeu que se tratava de um serviço tributado pelo ISS, cuja alíquota máxima é de 5% e média, de 2,9%, pago às prefeituras. O mesmo problema acontece com softwares baixados pela internet ou serviços de streaming que, dependendo do estado, podem ser taxados por ISS ou ICMS.

— A unificação de impostos nas reformas propostas acaba com essa guerra velada entre os dois entes — diz Sabrina Lawder, gerente de tributos internacionais da consultoria Grant Thornton Brasil.

Menos arrecadação

Para Correia Neto, unificar ICMS, ISS e IPI ajuda na tributação da economia digital, mas não resolve tudo:

— Com a crescente informalidade do trabalho, como será possível financiar a Previdência?

Os avanços tecnológicos que mudam o comportamento do consumidor trazem como consequência a erosão da base tributária atual, mostra o estudo. O setor de telecomunicações, por exemplo, era responsável por 10,4% da arrecadação de ICMS do país em 2000. Em 2017, com o crescimento de aplicativos de comunicação como o WhatsApp, essa fatia caiu para 7,8%.

Com a flexibilização das relações de trabalho e a popularização de aplicativos de serviços, a mão de obra em muitas empresas é substituída pela inteligência artificial. Na prática, a renda vem sendo cada vez menos tributada.

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel diz que, mesmo a Coreia do Sul, o país mais robotizado do mundo, não tributa máquinas. Isso ilustra como a cobrança de impostos na economia digital anda a passos lentos:

— Na prática, o governo apenas reduziu a possibilidade de deduzir imposto na aquisição dos robôs. Mas não taxou as máquinas.