Publicado em 30/10/2019 09:43 Última edição 30/10/2019 09:43

Despesa do governo com encargo da dívida cai com queda dos juros

Fonte: O Globo

Despesa do governo com encargo da dívida cai com queda dos juros
RIO - A queda dos juros — com a taxa básica, a Selic, em 5,5% ao ano, o menor nível já registrado — proporciona um alívio bilionário no pagamento das dívidas do governo e permitirá redução mais rápida do seu peso na economia. Nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para definir a nova taxa, e a expectativa do mercado é de novas reduções até o fim do ano.

Mas, segundo especialistas, a trajetória da dívida só entrará em rota sustentável se for acompanhada de medidas de ajuste fiscal que se mantenham no longo prazo.

A despesa do governo com os juros de sua dívida somou R$ 349,2 bilhões nos últimos 12 meses, equivalente a 4,96% do PIB. É o menor nível em cinco anos, segundo o Banco Central, mesmo com um salto de 70% no tamanho da dívida bruta no período, observou Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco.

Parte importante da diminuição do valor se deve à queda da taxa básica de juros, indexador de três quartos da dívida pública. Parte dos economistas espera que a Selic caia a até 4% em 2020.

Em janeiro de 2016, quando a taxa básica estava em 14,25% ao ano, o governo estava gastando o equivalente a 9% do PIB com os juros da dívida, ou R$ 539,98 bilhões em 12 meses — uma conta R$ 191 bilhões maior do que hoje.

— Uma parte importante da redução da Selic nos últimos anos já está colaborando para um efeito de alívio nas contas públicas. Mas esse é um efeito aritmético de curto prazo. O importante é uma discussão qualitativa de longo prazo. Na minha opinião, o ajuste não está concluído, e o custo menor para rolar a dívida não deve suscitar ou dar motivo para afrouxamento nesse ajuste — disse Fábio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset.
Ao enxugar gastos com juros pelo governo, a Selic menor diminui a velocidade de crescimento da dívida, mas não impede seu aumento.

Hoje, a dívida bruta equivale a 79,8% do PIB brasileiro, nível considerado muito elevado para países emergentes, que apresentam média da ordem de 55%. Em relatório, a Instituição Fiscal Independente (IFI) estimou ser razoável que essa relação continue crescendo até 2024, para 85,5% do PIB, por causa do pagamento de juros e da sucessão de déficits primários do governo.

Mas, devido aos juros menores, a IFI reduziu sua projeção para o tamanho do esforço fiscal necessário para que o peso da dívida pare de crescer. Agora, é preciso um superávit fiscal (economia para pagar juros) de 1,1% ao ano. Há alguns meses, a IFI estimava que o superávit necessário seria de 1,7%. O cálculo considera como referência um crescimento anual do PIB de 2,2%.
Sem licença para gastar
Mesmo com a redução do esforço fiscal, ele é significativo, argumentou a IFI. Isso porque, hoje, o déficit primário é de 1,4% do PIB. Logo, para que o governo consiga atingir superávit de 1,1%, o esforço requerido é de 2,5% do PIB, ou algo como R$ 177 bilhões. Isso indica que o país está longe de um cenário que permita afrouxamento nos gastos.

— O resultado primário necessário para estabilizar a dívida está menor não porque a Selic está baixa, mas porque o governo tem feito um ajuste baseado em corte de gastos, o que não acontecia no passado — afirmou Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco.

De qualquer forma, a combinação de redução de juros e medidas de ajuste fiscal já tomadas deve proporcionar trajetória mais controlada da dívida. Rodolfo Margato, economista do Santander, avalia que o peso da dívida no PIB atingirá seu pico em 2023, em 81,5%.

Em 2017, antes da adoção do teto de gastos e da devolução de recursos do BNDES ao Tesouro, por exemplo, o banco esperava que esse pico seria de 88,7% do PIB.

A devolução de recursos ao Tesouro pelo BNDES, aliás, desempenhará papel fundamental no controle da trajetória da dívida, disse Margato. O banco está devolvendo, com juros, R$ 416 bilhões tomados emprestados junto ao Tesouro entre 2008 e 2014.

Os recursos foram usados em ações de estímulo econômico após a crise financeira global. Pelos cálculos do Santander, até 2030, esses pagamentos terão impacto positivo da ordem de 10,4% do PIB. Sem as devoluções, a dívida pública atingiria pico de 91% do PIB em 2023.


— As taxas vêm caindo, o pagamento do serviço da dívida vem recuando em volume, mas é a adoção de medidas fiscais e parafiscais que melhora a confiança do investidor e permite uma redução estrutural dos juros — disse Margato.

O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, ponderou, porém, que, para o Brasil, não basta que a dívida seja estabilizada:

— A média dos emergentes é próxima de 50%, enquanto estamos na casa dos 80%. Para termos situação confortável, precisaríamos voltar ao patamar de 2013, quando o nível era próximo de 53%. Desde então, cometeu-se uma série de erros de política fiscal, houve alta de juros e a recessão afetou a atividade, fazendo com que a relação entre dívida e PIB disparasse. Estamos longe de resolver o problema.

Pelos cálculos do pesquisador, para fazer com que o peso da dívida recue um ponto percentual ao ano durante a próxima década, seria necessário atingir superávit de 2,49% no ano que vem. Isso representaria esforço fiscal de R$ 239 bilhões, algo considerado inatingível. E um desempenho semelhante teria que se repetir ao longo de dez anos.

 Margato trabalha com a possibilidade de a relação entre dívida e PIB recuar a 68,3% em 2030, o que dependerá da continuidade da aprovação de reformas e da retomada do crescimento. Mas para que o Brasil volte a nível equivalente ao dos demais emergentes, estima o economista, seria preciso superávit primário anual de 3% do PIB por 15 anos — média que não ocorre desde a década de 2000 e um desafio para um país que registrará o sexto déficit seguido este ano.