Publicado em 21/05/2019 17:28 Última edição 21/05/2019 17:28

A sedução do imposto sobre transações

Fonte: Terra

A sedução do imposto sobre transações
Nova modalidade do que se convencionou chamar de 'jabuticaba', o ITF implica várias distorções

criação de um imposto que incida sobre as transações financeiras (ITF) sempre vem à tona toda vez que se acena com uma reforma tributária. O ITF tem grande apelo por vários motivos: primeiro, porque é de fácil assimilação, uma vez que incide sobre as transações bancárias e é descontado automaticamente; segundo, porque é uma forma rápida e prática de arrecadação pelo governo; e, terceiro, porque dá uma falsa impressão de tributar os mais ricos. São os mesmos argumentos que sustentaram a implementação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta no ano de 2007.

O ITF seria uma nova modalidade do que se convencionou chamar de "jabuticaba", a fruta que só tem no Brasil e que, pejorativamente, se tornou referência para todas as nossas invencionices sem precedentes em outros países. Apesar da sua sedução, na verdade, o ITF implica várias distorções.

A primeira é que, ao tributar as transações financeiras, ele incide em cascata, contrariando o princípio tributário largamente utilizado do valor agregado, que evita bitributar uma operação. A questão é que todas as fases da produção, distribuição e comercialização de um produto ou serviço seriam tributadas em cascata pelo ITF, todas as vezes em que se realizasse um pagamento. Assim, um produto, ao chegar ao consumidor final, teria sido tributado cumulativamente tantas quantas fossem suas fases anteriores.

A segunda distorção, decorrente da primeira, é o mito de que somente os ricos seriam tributados. Na verdade, todos os produtos e serviços incorporariam a tributação repassada ao consumidor, transformando-o em regressivo relativamente à renda, uma vez que proporcionalmente os mais pobres seriam mais tributados. Portanto, é um engodo argumentar que seria um imposto que só os ricos pagariam.

A terceira distorção está no fato de que, ao contrário do que argumentam seus defensores, o ITF não traria mais justiça tributária ao incidir sobre todas as transações, inclusive as do mercado informal e as operações ilícitas. Isso porque, na prática, o ITF representaria uma tributação adicional a quem já recolhe os outros impostos, mas representaria uma tributação baixa, proporcionalmente, a quem não recolhe os demais impostos.

Mas a principal distorção seria, mesmo, a de não enfrentar de fato os graves problemas da tributação brasileira. Reforma tributária é uma matéria difícil em qualquer país do mundo, mais ainda no Brasil, dadas as nossas desigualdades regionais e de renda. No entanto, a despeito da dificuldade em fazê-la, é necessário enfrentar o desafio, sem subterfúgios e falsas soluções.

Uma boa referência para a discussão de uma efetiva reforma tributária pode ser encontrada na publicação A Reforma Tributária Necessária: Diagnóstico e Premissas, elaborada por 42 especialistas, que contempla 39 artigos em suas 804 páginas (disponível em http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2018/05/REFORMA-TRIBUTARIA-SOLIDARIA.pdf).

A análise destaca o caráter regressivo do nosso sistema tributário e propõe uma ampla reforma, contemplando oito premissas:

- a perspectiva do desenvolvimento;

- fortalecer o Estado de bem-estar social;

- promover a progressividade, ampliando a tributação direta - tributação da renda das pessoas físicas e das pessoas jurídicas, tributação internacional para combater a evasão e os paraísos fiscais, tributação das transações financeiras e tributação da propriedade e a riqueza;

- redução da tributação indireta;

- restabelecer as bases do equilíbrio federativo;

- considerar a tributação ambiental;

- aperfeiçoar a tributação sobre o comércio internacional;

- revisão das renúncias fiscais e combate à evasão fiscal.

Antonio Corrêa De Lacerda, professor-doutor e diretor da FEA-PUSCSP, conselheiro e atual vice-presidente do Conselho de Economia (COFECON). É autor, entre outros livros, de “Economia Brasileira (Saraiva, 2018, 6ª edição)