Publicado em 27/07/2020 10:48 Última edição 27/07/2020 10:48

Reforma tributária capenga e injusta

Fonte: Diário de Pernambuco

Reforma tributária capenga e injusta
A proposta de contribuição sobre bens e serviços (CBS) com unificação de PIS e Cofins é parte de uma estratégia escalonada em quatro fases. A primeira, já apresentada, unifica PIS e Cofins. A 2ª extinguiria o IPI e criaria um imposto seletivo para alguns produtos como cigarros, bebidas e veículos. A 3ª estenderia o IR a dividendos e eliminaria deduções com saúde e educação. A 4ª desoneraria a folha de salários e criaria um tributo sobre transações eletrônicas.

A boa notícia é a mudança de posição dos governadores, agora dispostos a apoiar uma proposta mais abrangente. Que inclua mais tributos indiretos sobre consumo, entre os quais o ICMS. Isso pode criar condições para uma verdadeira reforma tributária. E para que o Congresso acelere as PEC 45 e 110. A primeira, preparada pelo Centro de Cidadania Fiscal do economista Bernardo Appy, unifica cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS E ISS) e os transforma em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A outra, do Senado, originalmente elaborada pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly, unifica IPI, CSLL, PIS, IOF, Cofins, ICMS, ISS, Salário-Educação e Cide Combustíveis. Também em um IBS. Ambas preveem, além do IBS, um imposto seletivo sobre alguns bens.

A nova contribuição sobre bens e serviços (CBS), com alíquota de 12%, garantiria a compensação de créditos por tributos recolhidos nas outras fases da cadeia produtiva do bem tributado. Os serviços hoje pagam uma alíquota de 3,65% sobre o faturamento quando optam pelo lucro presumido, sem cumulatividade. E de 9,25%, sob lucro real, com cumulatividade. Todos iriam para uma alíquota de 12%, sob o regime único de cumulatividade com compensação de créditos. Os principais serviços (hotelaria, escolas, restaurantes, cabeleireiros, profissões liberais) e setores como telecomunicações, hospitais, companhias aéreas, construção civil, telemarketing, empresas de comunicação e desenvolvedores de softwares são mão-de-obra intensiva.

Seus principais custos, portanto, não acumulam créditos tributários como ocorre com a indústria quando ela compra seus insumos. Por isso, os serviços vão sofrer aumento da carga tributária. Mesmo os que estão no Simples, que não são afetados diretamente, terão insumos a preços maiores porque fornecidos por quem terá que pagar a alíquota maior de 12%. O consumidor terá maiores custos e a inflação tende a aumentar.

Aumento da carga tributária generalizado? Não é bem assim. Os bancos vão ser exceção. Pagarão apenas 5,8%. Um acinte porque o sentimento nacional é o de que o setor vem sendo blindado não de hoje. Agora, os bancos se apressam em falar de números absolutos. Com a nova CBS poderiam ter que pagar algo como R$ 6 bi a mais. O lucro líquido poderia ser reduzido em até 3,9%. Se os serviços e a sociedade que os utiliza vão pagar mais (12%) não explicam por que a subida do setor financeiro é menor, de 4,65% para apenas 5,8%. Não convencem com a alegação de que, nas finanças, é difícil quantificar créditos na cadeia produtiva. Nem com a de que, como os demais, terão aumento de um terço sobre o que hoje pagam de PIS/Cofins. Até porque muitos dos serviços que hoje recolhem pelo lucro presumido vão ter um aumento muito maior (de 3,65% para 12%).

Permanece o sentimento de que apenas os mortais devem aguentar mais tributos. O setor financeiro tem lucros muito altos, entre outros fatores, pela alta concentração bancária que lhes blinda com pouca concorrência. O que lhes permite cobrar spreads e taxas imorais. A banca atravessou incólume todas as crises. Uma mudança tributária deveria ser uma oportunidade para que ela seja chamada a contribuir mais com o esforço que o país vai fazer para superar os custos fiscais da pandemia. Ao contrário, a proposta de Paulo Guedes segue protegendo o setor, num momento em que o aumento da dívida pública induzido pela pandemia vai exigir algum aumento da carga tributária. Que poderia ser feito, como propõe Armínio Fraga (FSP, 26/7), através da eliminação dos elementos regressivos do sistema tributário e de reformas de longo prazo. O momento, pois, deveria ser o de aumentar a contribuição da turma das finanças.

Do Congresso, espera-se o mesmo que fez com o Fundeb. Ao rejeitar as manobras do governo para atingi-lo, o Congresso bem interpretou o desejo da nação por uma educação bem financiada. Agora, trata-se de evitar o aumento de tributos propostos para os mortais e a tacada mais suave reservada para a banca. Esperemos que os parlamentares corrijam esses desbalanceamentos e aprovem uma proposta mais ampla, a partir das PEC 45 e 110. Já passou da hora de termos um sistema tributário menos regressivo, mais simples e justo.

Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford