Publicado em 26/08/2020 09:46 Última edição 26/08/2020 09:46

Imposto sobre livros causa apreensão

Fonte: O Tempo

Imposto sobre livros causa apreensão
O leitor que prepare o bolso: se depender da proposta de reforma tributária feita pelo Ministério da Economia, o livro vai ficar mais caro no Brasil. Entregue no fim de julho à Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) 3.887/2020 prevê a substituição de Cofins e PIS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Atualmente isentos da cobrança dos impostos, os volumes passariam a pagar uma alíquota de 12%. O fim do benefício, segundo avaliação do setor, deverá aumentar o preço do livro em 20%, já que incidiria em cascata, atingindo do fabricante do papel ao livreiro. O valor seria repassado integralmente ao consumidor final.

A proposta do governo causou indignação em toda a cadeia produtiva do livro, incluindo aí os principais interessados na proposta: os leitores. Um abaixo-assinado virtual (disponível no link bit.ly/32pkCrT)  já ultrapassou 1 milhão de assinaturas contra a medida. Um manifesto chamado “Em Defesa do Livro”, assinado pelas principais entidades livreiras do país, foi divulgado no início de agosto, também se posicionando contra a mudança.

A tributação vai se somar a uma sequência de dificuldades que o setor enfrenta. Entre 2007 e 2017, houve uma queda de 29% nos pontos de venda de livros no Brasil, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Nos últimos anos, as duas maiores redes de livrarias do país, Saraiva e Cultura, entraram em recuperação judicial e fecharam diversas de suas unidades – incluindo uma da Saraiva no DiamondMall. “O setor está muito fragilizado. As últimas crises econômicas e a pandemia dificultaram bastante, várias lojas estão fechadas há mais de 120 dias. Se vier (o imposto), será uma tragédia”, detalha Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL).

Para o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e editor da Sextante, Marcos da Veiga Pereira, o aumento no preço vai levar a uma redução na compra dos livros, com consequências trágicas para o mercado. “Não conseguimos uma margem menor do que a de hoje, vamos ter que subir o preço. É inevitável uma diminuição do consumo, e isso, num contexto de recessão e desemprego como o atual, vai ser desastroso”, afirma.

Preço

Outra preocupação é que o aumento de 20% no valor médio reforce a percepção de que o livro é caro – o que, editores garantem, não é verdade. “Desde que conquistamos a isenção de Cofins e PIS, entre 2006 e 2019, o livro teve uma redução média de 35% no seu preço e vem sendo corrigido apenas pela inflação”, afirma Marcos da Veiga Pereira. Ele cita como exemplo um dos sucessos da Sextante, “O Código da Vinci”, de Dan Brown. “Em 2004, quando lançamos, o preço era R$ 39,90. Se trouxer só pela inflação, até 2020, esse valor chegaria próximo a R$ 100, mas ele é vendido com preço de capa de R$ 54,90. Esse foi o quão mais acessível o livro ficou desde então”, defende.

A avaliação é a mesma do proprietário da editora Miguilim e da Livraria da Rua, na Savassi, Alexandre Machado. “Falar que o livro é caro é desprezar o livro. No segmento infantojuvenil, no qual a Miguilim atua, existe muito zelo para sair tudo perfeito, com detalhes como ilustração, design e qualidade do papel. O preço não é caro, mas qualquer tributo dificulta bastante”, pondera.

Articulação

Como o PL 3.887/2020 já está na Câmara dos Deputados, o setor agora conta com a mobilização de parlamentares para evitar que a proposta seja aprovada. A expectativa, por enquanto, é positiva. “Nossa argumentação está forte. Não paramos de conversar com deputados e senadores, e a maioria é simpática à nossa causa”, afirma Vitor Tavares.

“Em termos de dinheiro, é muito pouco para o governo”, avalia Alencar Perdigão, da livraria Quixote, também na Savassi. Ele ressalta que boa parte das ações contra a medida está sendo feita por leitores. “O público está muito mobilizado. Essas pessoas que gostam dos livros, das livrarias, estão se mexendo, e as manifestações estão muito bacanas. Não deve ser aprovado não”, conclui, otimista.

Guedes propõe que governo decida leitura dos mais pobres

Durante audiência no Congresso Nacional no início de agosto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu que a distribuição gratuita de livros pode ser uma alternativa para o aumento dos preços que fatalmente acontecerá. “Vamos dar o livro de graça para o mais frágil, para o mais pobre, e não isentar quem pode muito bem pagar um livro”, afirmou Guedes, na ocasião.

A sugestão, porém, é rejeitada pelo setor, que teme a restrição nas escolhas das obras. “Quais são os livros que serão doados, quem vai fazer essa curadoria? É muito diferente do livro didático, que hoje tem que cumprir parâmetros do Ministério da Educação (MEC)”. O ideal é que cada um possa escolher o que quiser ler”, critica Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL).

Por meio de nota, o Ministério da Economia afirmou que a nova CBS tem como pressuposto a não concessão de benefícios. “Nesse sentido, foram eliminadas as hipóteses de alíquota zero (eram mais de cem) antes previstas para a contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins. Assim, foi também eliminada a alíquota zero que se aplicava nas operações com livros”, explicou a pasta.

Questionamentos

Apesar de questionado, o Ministério da Economia evitou se posicionar sobre as manifestações de leitores e entidades livreiras, que apontam os prejuízos que serão causados pela cobrança do tributo para a cultura e a educação do país.