O Brasil perde bilhões de dólares de produção, exporta menos do
que pode e deixa de criar milhares de empregos todo ano porque mantém um dos
piores sistemas tributários do mundo, como comprovam, regularmente, as
classificações internacionais de competitividade. Além de muito pesada, a
tributação é disfuncional e o sistema é absurdamente complicado, mas a ação das
autoridades, em todos os níveis de governo, muito raramente vai além de
remendos e de improvisações. Alguns desses arranjos funcionam por algum tempo,
mesmo já não tendo razão de ser, como a Lei Kandir. Outros são desastrosos,
como os benefícios fiscais distribuídos a setores selecionados pelo governo
petista da presidente Dilma Rousseff. A Lei Kandir teria desaparecido, há muito
tempo, se os governantes tivessem tido mais disposição e coragem para enfrentar
as dificuldades políticas de uma reforma tributária. Mas continua aí e está no
centro de um imbroglio político,
financeiro e judicial tão perigoso quanto extemporâneo.
Por decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), o Congresso regulamentará o repasse de recursos da União a
Estados e ao Distrito Federal para compensar a desoneração de exportações de
produtos primários e semielaborados. A decisão foi tomada em 30 de novembro. Se
o Parlamento deixar de cumprir a determinação no prazo de 12 meses, as normas
de repasse e os cálculos de valores serão fixados pelo Tribunal de Contas da
União (TCU). A intervenção do Judiciário foi motivada por ação iniciada pelo
Pará com apoio de 15 Estados.
Todos os ministros do STF
reconheceram a existência de uma “situação de inconstitucionalidade por
omissão”. O ministro Teori Zavascki divergiu parcialmente, questionando a
delegação da tarefa, em caráter de substituição, ao TCU. O ministro Marco
Aurélio discordou da fixação de prazo para correção da inconstitucionalidade.
Outros juristas poderão discutir se o Judiciário poderia cobrar do Congresso
aquela regulamentação. Mas toda a discussão é mais uma consequência de um
sistema tributário ultrapassado e incompatível com as necessidades do Brasil.
Os constituintes de 1988
mantiveram, com algumas alterações, as linhas básicas da ordem tributária
criada na reforma de 1967. A nova Constituição consagrou um dos defeitos do
principal tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS). As exportações de manufaturados continuaram – corretamente –
isentas desse tributo, mas as vendas externas de produtos primários e
semielaborados permaneceram sujeitas à cobrança. Em setembro de 1996 uma lei
proposta pelo deputado Antônio Kandir estendeu a isenção às exportações
daqueles produtos, mas atribuiu ao Tesouro Nacional a tarefa de pagar uma
compensação aos Estados.
Essa lei durou mais do que
deveria e, além disso, foi consagrada pela Emenda Constitucional n.º 42, de
dezembro de 2003. Segundo essa emenda, uma lei complementar deveria regular o
ressarcimento. Na ausência dessa regulamentação, continuariam valendo as normas
da Lei Kandir alteradas por legislação posterior.
Os autores da Emenda n.º 42
mantiveram a distorção incorporada na Constituição de 1988 e apenas atenuada
por um remendo engenhoso, mas limitado, a Lei Kandir. Num sistema decente
nenhuma exportação seria tributada. Além disso, haveria desoneração também de
investimentos e de outras despesas necessárias à produção. Mudanças desse tipo,
previstas na Lei Kandir, nunca vigoraram plenamente.
Com a decisão do STF,
governadores já anunciam a intenção de cobrar dezenas de bilhões de reais do
Tesouro Nacional. Segundo argumentam, o ressarcimento recebido durante vários
anos foi inferior às perdas efetivas. O próprio conceito de perda, nesta
altura, é discutível, por causa das transformações ocorridas em 10 anos. Mas o
debate, engrossado pela participação do STF, é um despropósito, possibilitado
pela injustificável sobrevivência de um sistema caduco e altamente prejudicial
ao País. É preciso cuidar com urgência da modernização tributária.
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