Publicado em 02/10/2018 12:29 Última edição 02/10/2018 12:29

União abre mão de R$ 300 bi em impostos, mas impacto social é baixo

Fonte: O Globo

União abre mão de R$ 300 bi em impostos, mas impacto social é baixo
 
Análise feita por governo mostra que desonerações tem pouco efeito sobre desigualdade

Martha Beck e Manoel Ventura

Apesar de o governo abrir mão de mais de R$ 300 bilhões por ano em tributos para beneficiar empresas e pessoas físicas, boa parte dos incentivos contribui pouco para reduzir desigualdades sociais. Um levantamento feito pela equipe econômica do governo concluiu que alguns dos chamados gastos tributários chegam inclusive a aumentar a concentração de renda.

É o caso, por exemplo, das deduções de despesas com saúde e educação na declaração do Imposto de Renda. Representarão uma perda de R$ 20 bilhões para os cofres públicos em 2019, mas pioram o índice de Gini (indicador que mede a desigualdade de renda num país) em 0,5%. Segundo os técnicos do governo, isso acontece porque essas deduções só beneficiam contribuintes de maior renda, que têm despesas com escola particulare e saúde privada para abater.

Efeito limitado
O volume de impostos que deixam de ser cobrados,não tem efeito significativo na redução da desigualdade.

Impacto sobre a desigualdade
A desigualdade de renda em um país é medida pelo índice de Gini, cujos valores vão de 0 a 1. O objetivo dos governos é reduzir esse índice, já que quanto mais próximo de zero, menor é a desigualdade

Até mesmo a desoneração da cesta básica tem efeito limitado sobre a desigualdade. Com custo anual de R$ 30,2 bilhões, melhora o índice de Gini em 1,7%. Mas alivia tanto o bolso dos mais pobres quanto o dos mais ricos. Além disso, foram incluídos na cesta itens consumidos por quem tem mais renda. Na lista desonerada estão, por exemplo, peixes como bacalhau e salmão.

Segundo cálculos da equipe econômica, os chamados gastos tributários subiram de R$ 145 bilhões em 2012 para R$ 283 bilhões em 2018. Em 2019, o total chegará a R$ 306,4 bilhões. Para especialistas, boa parte dessa escalada reflete a dificuldade do governo de retirar desonerações concedidas, ainda que não sejam claros seus benefícios sociais. A equipe econômica tem defendido revisar parte desses incentivos para reduzir o déficit das contas públicas, mas enfrenta resistências políticas.

Para os técnicos envolvidos no trabalho, esse montante de renúncia fiscal teria mais efeito sobre a desigualdade se fosse diretamente aplicado em programas voltados especificamente para brasileiros de baixa renda, como o Bolsa Família. O programa, que custa R$ 35 bilhões por ano, melhora em mais de 5% o Gini.

O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, também avalia que renúncias fiscais são gastos com baixa contribuição para melhorar a distribuição de renda e que transferências diretas são mais eficazes. Ele defende que o país faça uma ampla revisão sobre a necessidade e a viabilidade de programas e benefícios.

— Muitas vezes os subsídios tendem a se perpetuar, como o da indústria automobilística. O gasto no Bolsa Família, além de chegar no mais pobre, tenta mexer no capital humano — diz o especialista. — O Brasil não tem tradição de avaliar programas. As avaliações de impacto e temporalidade são falhas. Esse tipo de análise é fundamental para tomar decisões que a gente não toma. Se um programa dura mais de três meses, dificilmente você tira ele da lista de despesas, e tende a acumular gastos.

O pesquisador do Ibre/FGV e professor do IDP José Roberto Afonso também defende a avaliação do impacto de medidas tributárias, especialmente num cenário de restrição fiscal. No entanto, ressalta que também é preciso observar o efeito desas medidas sob outros aspectos, como o incentivo à atividade econômica:

— É preciso considerar também os efeitos colaterais da eventual redução de incentivos. Se uma microempresa pagasse contribuição previdenciária igual à de uma grande, continuaria a produzir como antes? Sem dedução de saúde no IR, quanta gente continuaria a pagar plano de saúde e não iria pressionar ainda mais a rede pública do SUS, que nem atende a atual demanda?


Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo