Publicado em 04/03/2021 11:28 Última edição 04/03/2021 11:28

A discriminação da mulher além do mercado de trabalho

Fonte: Estadão

A discriminação da mulher além do mercado de trabalho

As distorções de tratamento em razão do gênero, em especial no mercado de trabalho, são, sem dúvida, um tema da maior atualidade, com reiterados estudos que demonstram os obstáculos estruturais e sociais enfrentados pelas mulheres para atingirem a tão almejada igualdade de oportunidades e de tratamento, não só no campo profissional, mas também no social.

São também inúmeros os estudos que demonstram os benefícios da diversidade nos ambientes corporativos e na produtividade de uma empresa, mas ainda estamos distantes da equidade na evolução das carreiras profissionais entre homens e mulheres. As mulheres estão em menor número que os homens nos cargos e funções de liderança, não apenas nas empresas, mas também na função pública e na política.

Embora a eliminação das causas dessa distorção não dependa somente do legislador, um sistema jurídico orientado para a equidade tem um papel fundamental nesta missão. O contrário também ocorre, ou seja, um sistema que aprofunde as distorções é imensamente danoso e deve ser exposto.

Nesse contexto e exemplificando os benefícios de um sistema jurídico orientado à equidade, merece destaque a recente declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, da incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade. A decisão foi proferida no julgamento do Recurso Extraordinário nº 576.967/PR sob o regime da repercussão geral. O que ela julga e condena, em essência, é a discriminação e o preconceito que causam os encargos discriminatórios decorrentes da contratação de uma mulher, ou seja, na base das carreiras corporativas: contratar mulheres é, sem dúvida, mais caro do que contratar homens. E o STF deu um passo na neutralização dos danos de um sistema não equitativo.

Sob o ponto de vista puramente técnico, assentou-se que, por ser o salário-maternidade um benefício previdenciário, está ausente a natureza de contraprestação ao trabalho prestado. Isso motivou o entendimento de que o salário-maternidade não pode integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador.

O julgamento trouxe importante reflexão pela Suprema Corte quanto à aplicação, em última instância, dos princípios que norteiam o Estado democrático de direito. Há um direcionamento específico no voto condutor, da lavra do ministro Luís Roberto Barroso, para:

  • a necessidade de desoneração da mão de obra feminina como forma de efetivação do princípio da isonomia entre homens e mulheres;
  • a impossibilidade de oneração do indivíduo no sistema previdenciário brasileiro em razão de circunstância ou fato da vida que lhe seja peculiar por motivo biológico, no caso, a capacidade exclusiva das mulheres de engravidar;
  • a exclusão de tributação sobre o salário-maternidade privilegiar a isonomia, a proteção da maternidade e da família, além da diminuição da discriminação entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Apesar de a análise estar restrita ao contexto das relações de trabalho, o voto chama a atenção para outro tipo de distinção de tratamento entre homens e mulheres ainda não muito discutida no Brasil: a tributação mais onerosa às mulheres do que aos homens.

Recentemente, o Grupo de Pesquisas sobre Tributação e Gênero, vinculado ao Núcleo de Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, elaborou profunda análise em estudo denominado “Reforma Tributária e Desigualdade de Gênero”, que apresentou sugestões de alterações às propostas de reforma existentes com o objetivo de contemplar a promoção da igualdade de gênero pelo instrumento da tributação.

Usualmente nomeados como tax women ou pink tax, os estudos sobre o tema expõem o tratamento desigual na precificação de produtos e serviços destinados ao público feminino por nítida estratégia de marketing, o que atrai sobre eles a incidência de alta carga tributária.

Esse é o caso, por exemplo, de calcinhas em relação às cuecas de uma mesma marca (cerca de 20% mais caro), preservativos (femininos cerca de 40% mais caro), tênis (femininos cerca de 8% mais caro) e cortes de cabelo (femininos cerca de 28% mais caro).


Confira a matéria na íntegra: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/genero-e-tributacao-a-discriminacao-da-mulher-alem-do-mercado-de-trabalho/